Deixemos o rei sozinho

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Imagem divulgada via facebook pela produtora da peça (foto: Divulgação)

Na última semana vimos o país incendiar. A discussão política excedeu o limite do aceitável e virou discurso de ódio, agressão e preconceito. Nas redes sociais e nas manifestações de rua em todos os estados, vimos pessoas pedindo além de impeachment da atual presidente, intervenção militar. Pessoas com cartazes pedindo feminicídio, fim do casamento gay, fim das cotas, e muitas, mas muitas pessoas incitando a violência contra quem tem a opinião contrária a sua. Quem não estava de verde e amarelo era inimigo. Quem não concordava com as ideias, era petista, e merecia morrer.

Isso foi além e invadiu os lugares mais inesperados, como o teatro! Essa semana nos deparamos com a notícia da interrupção do musical “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos”, em Belo Horizonte, e o motivo que levou ao ocorrido foi que durante a apresentação da peça, o ator e diretor Claudio Botelho inseriu um comentário político que não estava previsto no roteiro – “Era a noite do último capítulo da novela das oito. Era também a noite em que um ladrão ex-presidente talvez tenha sido preso. Ou uma presidente ladra recebeu o impeachment?” – e desencadeou na plateia vaias e gritos de “Não vai ter golpe” e até mesmo saída de parte do público. Após manifestar seu posicionamento pessoal o ator ainda tentou reverter a situação, mas não havia mais jeito, o que levou o espetáculo ao fim e ao ator completo descontrole.

Em gravação divulgada em diversos sites de notícias, o ator se mostra inconformado com o ocorrido, gritando com toda arrogância possível, que “o ator que está em cena é um rei. Não pode ser peitado. Não pode ser peitado por um nêgo, por um filho da puta que está na plateia”. O ator esqueceu de alguns fatos cruciais para terem ‘contrariado o rei’. Primeiro que Chico Buarque, o músico que dá nome e é o ponto central da peça, nunca negou seu apoio ao governo de Dilma e anteriormente, a Lula. Segundo que Botelho reafirma a polarização e o discurso de ódio. Terceiro, que o teatro, assim como as demais artes devem sim criticar o status quo, mas com base em fundamentos e deixando de lado a superficialidade do debate.

Claudio Botelho entre as atrizes Malu Rodrigues e Soraya Ravenle (Foto: Leo Aversa)

Claudio Botelho entre as atrizes Malu Rodrigues e Soraya Ravenle (Foto: Leo Aversa)

Outro ponto é se intitular rei. Dizer que um ator em cena é um rei como se fosse um intocável, superior, dono de toda a verdade dita. O ator tem a incrível oportunidade de ser e transmitir uma infinidade de coisas, pensamentos, gestos, ideias. No palco pode sim ser quem ele quiser, mas JAMAIS será superior a alguém. O ator é um profissional que deve respeito ao seu público e ao criador de seu papel, o autor. E ao agir contra isso fere sua profissão, seu meio de trabalho, seus companheiros também atores. Botelho mostrou de forma escancarada a postura de diversos atores que se vêm como célebres e misturam seus posicionamentos e ideais pessoais com seus personagens, os impondo e transformando sua atuação em ego e vaidade.

Como resultado, Chico Buarque retirou a autorização do ator utilizar sua músicas em espetáculos futuros. Com toda a repercussão, Cláudio publicou um texto no facebook fazendo mea culpa, se retratando com o cantor – que acatou as desculpas – e com o público. E que assim como ele pôde transmitir uma opinião pessoal, o público também pode reagir. E como disse o filosofo francês Blaise Pascal: Deixemos um rei sozinho, sem nenhuma satisfação dos sentidos, sem nenhuma preocupação do espírito, sem companhia, a pensar apenas em si mesmo; e ver-se-á que um rei sem divertimentos é um homem muito desgraçado.

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